sexta-feira, 3 de março de 2017

Anjo humano


Ei-lo no mundo, prostrado,
Embatido no solo frio,
Alma viajante, corpo petrificado
Na existência do vazio.
Sonho de êxtase acalentado,
Sumir de ser, o pertencer;
Verbo extenuado
Na miserabilidade do seu ser.
Ali estava.

Ribombante sonoridade
Descia sobre o corpo moribundo,
Mirava sua mortalidade,
O ser que não era do mundo.
Cru olhar.
Crua expressão.
Maldito sonhar.
Maldita emoção.
O homem sem si levantou o olhar,
Encarou o anjo descendo, frio até no levitar.

Não pisou a terra o anjo,
Ficando em si suspenso;
Com seu orgulho sobejo
Fez do doer o mais intenso.
A seis palmos ficou da terra,
Abrindo os braços sedentos,
Sete voltas sobre si encerra
Com treze bateres de asas violentos.

O mortal definhando, assim temeu
O querer da criatura,
Seria a ira do que prometeu
Que levantava tal postura?
Perguntava na intimidade,
Este ser de ser agora,
O retorno da fatalidade
Com sua génese na demora.

De tudo o homem, aterrado,
Em si vivendo, todo o medo
Do anjo ter encerrado
Ao seu peito, um rochedo.
Olhou de coragem o belo ser,
Conhecendo a mulher alada,
Recusou-se no conhecer
A essência da que era amada.
Ser o ser sem que fosse nele,
Ser do tudo sem que fosse dele.

“Commoriatur in te!” disse
O anjo com altivez.
Talvez assim o homem ouvisse
No sentir a rigidez.
Rigidez que mais não era
A infame realidade
De se forçar à infinita espera
De entregar o sentimento à mortandade.

Nos olhos negros a fitou,
Procurando por onde estava
O ser único que estimou,
Mulher do tempo ido que amava.

À mutação nada se nega,
Pois é um querer irrefutável,
De partir donde se chega,
Para um destino “irretornável”.
“Que me queres criatura?
O que destinas de meu fado?
Depois dos dias da brancura,
Crês que me farei derrotado?”  

“Commoriatur in te!” vociferou,
Mais uma vez em si irado,
Dirigindo ao mortal que tombou
O seu desdém mais determinado.
O anjo por espanto, petrificou
De ver o homem se erguer,
Mão direita o peito encontrou
Por lhe ver a alma renascer.

Levantado o homem, em simplicidade
Puxou o anjo até ao solo,
Lembrou-lhe a sua humanidade
Mostrou-lhe o seu precisar de colo.
“Vê mulher alada, a tua igualdade
Que assenta os pés no pó da terra!
Tu não és do mundo, a divindade
Não és meta onde se tudo encerra!”

O anjo se lembrando
Do seu ser, profundo humano
Lembrou da vida, de si errando
Viu na frente, o seu eu mundano.
O homem do seu querer, terminando,
Na sua alma o conformou.
E nos olhos do anjo penetrando
“Commoriatur in te” lhe segredou.

O anjo, à humanidade retornou.

O homem, a velha vida fulminou.

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