terça-feira, 24 de novembro de 2015

Pareceu-me ter tido uma visão. Rápida, duradoura, estrondosa, habitual... Pareceu-me ver a inocência a vestir vermelho!
Por baixo dos meus pés, enquanto a via, abria-se uma fissura. Não me preocupei, era quase impercetível. Mas comecei a pensar. A fissura aumentou consideravelmente. Mas nunca eu poderia caber nela. Pensava no vermelho. Pensava na inocência. Afinal de contas, o que nos diz a razão acerca destes dois termos? Diferente, diferente, diferente. O pensamento difere de cada para cada! Fantástico! Digo-o com espanto porque há almas por aí carecidas de livre-arbítrio que não conseguem pensar ainda livremente, que não colocam o espírito da razão nas folhas de um Rousseau, ou de Montesquieu; talvez de um Pessoa ou talvez um Saramago; de um Stephen Hawking ou de um John Lennox. O livre-arbítrio é a melhor dádiva dada ao homem. O homem poder pensar por si mesmo, pensar em tudo o que o rodeia, saber tomar decisões por si mesmo sem que por isso, tenha de ser enxovalhado em praça pública. O pensamento alimenta o conhecimento e o conhecimento alimenta-se a si mesmo e ainda sobra muito para a alma.
Mas o vermelho e a inocência. Diziam que vestia vermelho. Os meus olhos não viam nada de estranho, não viam esse vermelho, esse escarlate que se dizia inofensivo mas os avisos acorrentados não gritaram suficientemente alto para que eu não quisesse ver. A minha sede de levantar as cortinas que encerravam os meus olhos foi bem mais forte que qualquer aviso que me tivesse dado o mundo. Levantei e foi um fascínio! Conhecer nova cor no mundo! Mas a angústia crescia em mim. E com ela aquela fissura por baixo dos meus pés abria-se já a passos largos, sem sequer disfarçar que me iria engolir. E resisti! Pensei que não iria cair dentro dela e ser engolido pelos estouros fantásticos da rocha a quebrar, das pedras a rolarem. A aventura, música para os meus ouvidos! A exaltação do nosso ser de que estamos acima de qualquer consequência por nós somos nós e os infortúnios são todos destinados aos outros, apenas e somente. 
AINDA NÃO CAÍ!
Continuei a ver o mundo em vermelho e em mim, sem perceber porquê crescia um pesar e uma angústia. Mas queria ver mais ainda, ainda que eu próprio estivesse bem ciente já do futuro que iria chegar num ápice. Nada de nada é inocente. Ninguém por ninguém é inocente. Os olhos. Os olhos. OS OLHOS!! O mais mortífero par de adagas! E eles estavam manchados do vermelho! E eu ainda assim acreditei. Acreditei. E percebi porquê; porque a esperança era branca. E depois disso, até ela foi manchada.
Não vim aqui falar de conhecimento, vim falar da corrente que segue incessantemente por meio de caudais desconhecidos, a que os restantes chamam vida.
Do fundo da abertura térrea ouvi um rugir. Tentei segurar-me; tão em vão! Caí em abraços com as pedras, banhado pela terra. A cabeça batia em obstáculos, vários obstáculos. E o fim da brecha, ainda não terminou. 
Vamos indo e vamos caindo!

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Estou recostado no meu leito, ao som de mais uma noite que passa para mim quase despercebida. Como passaram muitas outras antes desta e como irão passar muitas muitas outras daqui para a frente, certamente. O que diferencia é o "quase". Há sempre algo na noite, no dia que marca a diferença. 
Na mesinha de cabeceira está um relógio marcando números (ele, a prova do poder do homem sobre o tempo), um candeeiro aceso, uma chávena com chá morno de alguma coisa, pois não me dei ao trabalho de ver do que era; camomila, ou mesmo preto. Tenho também uma carteira com algumas moedas para o capuccino de amanhã, ou de depois de amanhã, não sei bem. Ou mesmo para um café, numa esplanada, marcada pelo escuro dos raios de sol que tentam penetrar pelos guarda-sois abertos. Está aqui tudo como ontem! Está também o pensamento, sempre sempre ativo, freneticamente estagnado no vento que não tem força para o alterar. Além do mais está um livro! DOIS! Pessoa e Allan Poe; luz e escuridão; venha o diabo e escolha! E depois o pensamento, que esteve, está e estará!
Depois o dia, um pôr-do-sol ou um amanhecer, conforme nos apeteça, que tenta mostrar que há oportunidades nos dias, nas horas, nos minutos e que nada de nada, nem uma respiração, nem um piscar de olhos são em vão. Mas são! Tudo é em vão pois tudo é fruto de um acaso que teima em estar justificado. Nada sabemos.
A vista teima em querer ver, em querer ser inflamada por imagem. A boca anseia por uma respiração forte ou por um roer de unhas para acalmar o nervosismo. Os ouvidos teimam em ouvir a chuva ou a música que silencia o barulho e que acaba por ser silêncio verdadeiro (e que ninguém deve nunca quebrar!). As mãos querem uma caneta e papel. O nariz quer o perfume de ambientador colocado estrategicamente por cima do relógio (tic-tac, tic-tac, tic-tac, infinitamente(até que se lhe não dê corda)) para cortar a dureza calmante do oxigénio. Mas se calhar não é bem isto que quer o nariz. Não importa, para agora passa despercebido. Se sair lá fora, irei encontrar uma inundação, uma verdadeira população de ausência. Os passeios estarão sem pés apressados, as ruas sem os coches motorizados, as luzes acesas para uma ausência que persiste em estar excessivamente presente. Mas eu estou aqui, aqui onde estou todas as noites, aqui onde com tinta sujo todos os dias um novo papel, onde desgasto as teclas desta máquina. E o que encontrei! O meu pensamento de novo! Pensei que se tinha perdido, sabendo sempre que estava bem aqui. E na mente o que se passa? Muita coisa que nem sei bem especificar ao certo. E lá fora há tempestades! Lá fora o vento sopra, acarinhando as árvores outonais, a chuva lava os terraços marcados por várias vidas e lava o próprio céu, lavando os pensamentos que se elevam pelos ares na penumbra da noite que não cessa. E cá dentro também as há! Mais um vez a cabeça teima em pensar, com uma velocidade alucinante. E há trovoada ainda por cima! Tudo à mistura, como deve ser uma boa, muito boa tempestade! A verdadeira tempestade elétrica!